28 maio 2009

Pesar














Pesamos todos mais 21 gramas.
É o peso da alma do amigo
que arrastamos
toneladamente.

Falta paquidérmica
densa
insustentável.


Ronaldo Monte

Imagem obtida em


25 maio 2009

Delicado

Se me pedissem uma palavra para definir Barreto, responderia sem hesitar: delicadeza. Esta era uma qualidade que vinha antes de todas as outras. Ele podia ser crítico, irônico, até mesmo gozador. Mas tudo isto revestido com a embalagem da delicadeza.
Se o leitor quiser saber exatamente do que estou falando, leia um livro de Barreto. Esses que ele assina como Geraldo Maciel. Pegue um conto, que seja. Logo se dará conta de que aquilo é fruto de um delicado trabalho de ouriversaria, ouro e prata engastados de palavras preciosas, mas tudo muito bem disfarçado em simplicidade e clareza. Tente imitar, como eu tentei, um mínimo parágrafo e saberá como é difícil e exaustivo o resultado.
Até para morrer, Barreto foi delicado. Nada de períodos longos de internamento, promessas ilusórias de melhora. Foi ao encontro do Clube do Conto, no sábado, sem dar a menor bandeira. Acordou no outro dia bem disposto e saiu para cuidar da vida. Foi ali, morreu e pronto. Não obrigou ninguém a cancelar compromissos, adiar ocupações, pois escolheu para partir numa manhã chuvosa de domingo, em que não dava praia. Com isso, não estragou o programa de ninguém.
Foi uma pena Barreto ter faltado ao seu velório. Ia ficar feliz com a turma que se reuniu, incrédula, para ter certeza de que a notícia não era brincadeira de mau gosto. Tinha muita gente boa, gente querida. Mas faltava alguém imprescindível. Aquele que saberia dizer as palavras exatas para a ocasião. Nos falaria de perda, de dor e de ausência. Mas falaria muito delicadamente.







Inveja

Tenho inveja de quem escreve melhor do que eu. Vejam, por exemplo, isto que Geraldo Maciel escreveu: “Uma cova comum tinha seus nove palmos de comprimento, quatro de largura e os sagrados sete palmos de fundura. O que passasse disto, ou seja, sendo o finado muito gordo ou muito alto, requeria uma taxa extra, pois, mesmo sendo a morte uma coisa meio sagrada, cavar covas cansa muito e deixa o corpo tão quebrado quanto trabalhar na agricultura ou carregar fardos às costas”. É um trecho do conto “O coveiro”, que está no seu último livro, O concertista e a concertina. Não é de dar inveja em qualquer um?Para quem não sabe, Geraldo Maciel é o mesmo camarada que muita gente conhece como Barreto. No começo se faz uma certa confusão, mas a gente termina se acostumando. Ele tem outra doença, além de ser contista e ter dois nomes: teima em ser dono de uma editora, a Manufatura, por onde editou o seu livro. Não é de hoje que tenho inveja do texto de Geraldo Maciel. É desde o seu primeiro livro de contos, Aquelas criaturas tão estranhas, em que ele gasta quase uma página com um tiro de clavinote, descrevendo o trajeto do material expelido desde a boca da arma até se alojar nas vísceras da vítima. Fui tentar imitar a técnica descrevendo um soco se aproximando em câmara lenta da cara de um sujeito. Não consegui passar das cinco linhas. Quem quiser roer de inveja como eu, leia qualquer coisa de Geraldo Maciel. Mas leia de preferência este novo livro. São textos maduros, de boa carpintaria. A história que dá título ao livro dá vontade de chorar. Mas emoção mesmo eu senti com a sina do Boca, cantor de corpo disforme mas com uma voz capaz de criar amores e reacender velhas paixões. É livro de se ler de um fôlego só e ficar com gosto de quero mais. Tenho muita inveja de quem escreve melhor do que eu. De Geraldo Maciel, ou de Barreto, não importa, eu tenho é raiva.



16 maio 2009

Brisa e rajada




Ninguém nota que falta luz quando se está enroscado no corpo do outro, mãos e bocas atarefadas em prender, sugar e morder a maior superfície disponível no menor tempo possível. Faltou luz, sim. O ventilador parou, mas sua brisa, ali, seria inútil.

Daí que eles permaneceram grudados um no outro enquanto o calor arrefecia. Literalmente grudados, pois o suor colava a pele dos ventres, amantes siameses ofegando a um só ritmo.

A luz voltou, mas os olhos não se deram conta, pois a lâmpada ficou apagada desde antes. Mas o resto dos corpos acusou um calafrio quando uma brisa tênue varreu a cama.

Um bisturi invisível descolou as peles dos ventres. Cada corpo entregue a seu frio respirava agora lentamente. O que foi brisa, agora é rajada. Os corpos enroscam-se novamente em busca de calor.

Ronaldo Monte
Clube do Conto, 16.05.2009

Imagem obtida em theurbanearth.wordpress.com

09 maio 2009

Para minhas mães

Para sempre

Carlos Drummond de Andrade

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.

Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond

07 maio 2009

O fim da noite - versão em inglês de Elaine Erig





The End of the Night

by Ronaldo Monte


Failed to light yesterday evening. For absolute lack of what to do, I expect to sleep in bed. With the delay of sleep and the absence of internal images, focused my attention on the total darkness that was immersed. I spent the hand in front of the eyes and did not notice any movement.
I thought I was close to having an experience of blindness and one end of trouble appeared. But then I remembered what I told me my friend Jane Belarmino, blind and visionary: the fear of the dark is a problem for you.
I do not know the darkness. In fact, taking isolated experiences as last night, I do not know the darkness.And very few people living in cities can be said of the intimate dark. The night, as a synonym of darkness, is an increasingly rare phenomenon. The concern for security and control of people did with the darkness that was banned from the streets and buildings of cities. The evening today is only a period of time very different from the day. When you enter a supermarket or a mall, jumping in a time continuum, where the artificial light eliminates any difference between day and night. The - small dark of the film -is more an expression of caring that real. Besides not being an absolute darkness, the clear light projected on the screen, it can be enjoyed by day or night.
For lack of a clear distinction (or dark) in the day, the night lost its purpose for the period to rest and sleep. Pushed increasingly into the night did the things of day. Pharmacies, supermarkets, gas stations and many other services are open continuously. We crossing the night studying or working. Just going to bed when the exhaust no longer allows us to any activity. Here, then, is the insomnia. And then we realize that we lost contact with our first night. The side that leads us to dream and the pastures repairers that reveals the other side of sleep. The dry eyes, the soul dry, the dryness of the imagination. This is the price we pay at the end of the night. Besides the bad mood the other day.