16 março 2015

16 - A pane do computador


Almeidinha - o herói de paletó

Um folhetim burocrático


                   Já é tempo de retomarmos os passos do nosso herói indo em direção ao trabalho para um dia que, ele sabe, não será dos mais tranqüilos. Ele sabe que terá de enfrentar o olhar curioso dos colegas que, mais do que uma justificação para a falta, querem é um bom motivo para levá-lo ao mais alto nível da exasperação.  O melhor mesmo é passar ao largo dos dois, dar um bom dia coletivo e se dirigir ao birô no fundo da sala. Ficaria sentado sem conseguir se concentrar no trabalho até que o Dr.  Pacheco entrasse triunfante pela sala, com sua peruca, seu andar de rei e os olhos semicerrados. Almeidinha tinha medo de não resistir ao esporro do chefe. Talvez, chorasse, talvez desmaiasse, talvez saísse correndo apertado em direção ao banheiro. Onde já se viu, um funcionário exemplar como ele faltar um dia inteiro de trabalho?
                   Mas quando Dr. Pacheco entra, passa por Almeidinha com um sorriso que parece de alívio. Cumprimenta festivamente o funcionário e pede para que ele vá imediatamente à sua sala.
                   Almeidinha levanta-se de um salto e se apressa em atender o chamado do chefe. Mas quando passa pelo birô de Dona Marli, esta o adverte misteriosamente: cuidado, seu Almeidinha. Muito cuidado com o que o senhor vai dizer.
                   Dr. Pacheco recebe Almeidinha de pé, dizendo que sentiu muito a falta do seu melhor funcionário. Convida-o para sentar, pigarreia e começa a explicar que no dia em que você faltou, meu bom Almeida,  a repartição recebeu uma visita surpresa da comissão do patrimônio da Secretaria. Descobriram a falta do seu computador e deram um prazo de quarenta e oito horas para a máquina aparecer. Acontece, meu bom Almeida,  que o computador não está mais na minha casa. Minha  filha, a Suellen, você conhece a pobrezinha, tinha levado o computador para a casa de um amiguinho da escola e nunca mais trouxe ele de volta. Parece que depois do trabalho as crianças resolveram beber alguma coisa e essa alguma coisa tinha se derramado sobre a torre do computador, causando um curto-circuito. O que lhe peço, Almeidinha, pelo amor de Deus, é  que você assuma a responsabilidade pela perda do computador. Eu mesmo já tomei a ousadia de adiantar ao pessoal do patrimônio que você tinha levado o computador para casa, para adiantar uns trabalhos da repartição. Basta apenas que o velho amigo confirme essa história. Depois você inventa uma outra história que justifique um curto-circuito no computador. Você pode ter derramado uma xícara de café no teclado. Tenho certeza, Almeidinha, que o pessoal do patrimônio será compreensivo. Eu ajeito as coisas para você. No máximo, no máximo, você recebe uma repreensão simples. Tenho certeza de que o meu amigo Almeidinha não me faltará numa hora tão vexatória.  
                   Almeidinha estava a ponto de ceder ao discurso manhoso do chefe. Sua boca já se preparava para dizer sim, Dr. Pacheco, será uma honra, Dr. Pacheco, quando ouviu a porta da sala se abrir com certa pressa. Era Dona Marli que entrava com dois copos d’água que não haviam sido pedidos. Dr. Pacheco olhou para ela com raiva, mas não deixou transparecer para Almeidinha. Dona Marli não se importou com a expressão do chefe, virou-se de costas para ele para que não visse a careta esquisita que fazia para a pobre vítima, como quem diz cuidado com o que vai dizer.    
                   Almeidinha fica olhando para o chão enquanto espera Dona Marli bater a porta. Levanta os olhos com dificuldade e com a voz trêmula pediu que o Dr. Pacheco lhe desse um dia para pensar. Surpreso com a ousadia do subordinado, o chefe controla a raiva e diz que tudo bem, ele acredita na amizade e no bom senso do Almeida velho de guerra.       

                   Almeidinha sai cambaleando da sala e se surpreende com os dois colegas que esperam por ele. Ciço, o contador, diz que já sabem de tudo. O Dr, Pacheco está com os dias contados. Sua transferência já pode ser dada como certa. Ele está somente querendo livrar a cara no negócio do computador, jogando a culpa no Almeidinha. Seja homem, Almeidinha. É o Joel, o escriturário, que o repreende. Pela primeira vez na sua vida, haja como homem. Os dois colegas não entendem quando Almeidinha sorri. Mas só ele sabe que a primeira vez que agiu como homem tinha sido na noite passada, quando obrigou sua senhora a dormir no sofá. Não ia custar muito ser homem por uma segunda vez. Mas, por via das dúvidas, ia antes falar com Padre Guido.

Imagem obtida em webalternativa.blogspot.com

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