22 março 2015

17 – A dona do cheiro

Almeidinha - o herói de paletó

Um folhetim burocrático


                   Almeidinha não quis deixar para amanhã a conversa com Padre Guido. Saiu do trabalho na hora de sempre, amarrotou o paletó no ônibus apertado e desceu no ponto mais próximo da igreja. Ainda faltava tempo para a missa das sete, as portas da igreja estavam fechadas. Mas na pequena casa paroquial ali nos fundos as luzes deram as boas vindas a Almeidinha, uma das mais antigas ovelhas do rebanho de Padre Guido.

                   A beata que atendeu foi logo abrindo a porta, gritando para a sala de jantar que o padre tinha uma visita importante. O padre bonachão limpou as bochechas com um guardanapo de linho e mandou que o amigo se achegasse, jantasse com ele enquanto levavam uma prosa. O que traz o amigo à minha humilde casa?
                   Os olhos do visitante se encheram de lágrimas, a beata se enfurnou na cozinha e padre Guido insistiu: o que se passa com você, Almeidinha? Deve ser coisa muito séria...
                   Depois de ouvir toda a história do computador e da proposta imoral do Dr. Pacheco, padre Guido afastou a xícara para o centro da mesa, alisou com as duas mãos o guardanapo dobrado em sua frente e começou a falar com voz firme e pausada:
                   - Meu caro Almeidinha, acho que já é tempo de você deixar de ser um capacho e tomar uma atitude firme na sua vida. Tanto na repartição, com esse tal de Dr. Pacheco, quanto em sua casa, com aquela sua mulher. O senhor sabe o que é ser capacho, não sabe? É deixar todo mundo pisar e esfregar os pés em você. Deixe esse Dr. Pacheco se arrebentar, que ele deve estar com medo de que todos os seus podres apareçam junto com este caso do computador. Quanto à sua mulher, essa Sandra, você precisa botar um freio nela. Todo mundo sabe que ela não pára em casa. E garanto que na minha igreja é que ela não bota os pés. Procure saber por onde ela anda, seu Almeidinha. Procure saber onde fica uma tal de Ilha de Lesbos. O senhor sabe quem foi Safo, seu Almeidinha, a dona da ilha de Lesbos original, lá na Grécia antiga? Procure saber, amigo Almeidinha, assim o senhor fica sabendo melhor quem é a mulher que se diz sua esposa.    
                   Vendo a cara petrificada do seu amigo, seus olhos secos olhando para lugar nenhum, o corpo tremendo de cima a baixo, Padre Guido sentiu que tinha exagerado. Mas aquilo tinha que ser dito. E melhor que fosse por ele do que por qualquer outra pessoa da rua. Mesmo assim, tinha que fazer qualquer coisa para tirar seu amigo daquela prostração.
                   - Mudando um pouco de assunto, meu amigo, sabe quem passou por aqui e perguntou por você? Luana, você se lembra? Aquela rechonchudinha que estudou com você no primário da Escola Paroquial. Aquela que parecia ter as juntas de manteiga e todo mundo ficava espantado quando ela dançava o frevo nas festas da paróquia. Se lembra não, Almeidinha? Vocês pareciam tão unidos. Até na hora do recreio vocês ficavam juntos pelos cantos da quadra.
                   Almeidinha se lembrava, sim. Se lembrava principalmente do cheiro que ela tinha depois que jogava vôlei na aula de educação física. Agora ele sabia quem era a verdadeira dona do cheiro que o perseguia. Dona Jackeline era apenas uma impostora que fazia uso indevido do cheiro de Luana.

                   - Pois bem, continuou Padre Guido, ela passou por aqui querendo saber por onde andavam seus antigos colegas. Perguntou especialmente por você. Disse que sempre teve uma simpatia especial pela sua pessoa. Disse até que pensou em namorar um dia com você. Mas veio aquela enxerida da Sandra e roubou você dela. Aí eu disse que sabia onde você morava, mas ela não queria se encontrar com você junto com a falsa da Sandra. Prefere ir ver você no trabalho, onde na certa vão poder conversar mais à vontade. Ela vai ficar mais alguns dias na cidade. Disse que ia tirar um tempinho para visitar você na repartição.      

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